Há cerca de um ano no cargo de secretária-geral da Associação Portuguesa de ContactCenters (APCC), Ana Gonçalves faz um balanço do mandato e fala dos principais desafios do setor, numa fase de grande dificuldade no recrutamento de recursos humanos e de grandes mudanças tecnológicas.
Quais são os maiores desafios do setor atualmente?
O Setor dos Contact Centers em Portugal viveu, na última década, um crescimento
permanente, mesmo quando em contraciclo com a Economia.
Este crescimento resultou, em larga medida, do reconhecimento da sua importância
capital para o sucesso, por parte dos agentes económicos dos mais variados setores e
até pelos serviços da Administração Pública, central e local.
Com efeito, o Contact Center é, cada vez mais, o meio privilegiado de contacto com
Clientes e a qualidade do atendimento é uma das mais eficientes ferramentas de
afirmação perante o mercado sempre, claro, em permanente benchmark com os
concorrentes.
Estes são, por isso, os desafios cruciais para esta Indústria nos próximos anos: por um
lado, continuar a crescer ao mesmo ritmo, correspondendo à crescente procura que
ocorre num cada vez maior número de Empresas; por outro lado, corresponder às
expectativas de qualidade de uma atividade cada vez mais exigente.
Em síntese, o desafio do crescimento em número de recursos afetos, num mercado de
trabalho em que as disponibilidades são diminutas e muito disputadas, a necessidade
de dotação das operações dos recursos tecnológicos e o investimento na formação
indispensáveis para atingir os níveis de excelência que são exigidos.
Dando expressão a esta permanente busca pela excelência no desempenho dos Contact
Centers e cumprindo a sua função de difundir as boas práticas no Setor, a APCC certifica
a qualidade das operações através do seu Selo da Qualidade, metodologia de
certificação específica para esta Indústria que desenvolveu e implementa desde há três
anos e que constitui a base da atribuição dos APCC Best Awards, que são entregues no
decurso do jantar de encerramento da sua Conferência Internacional anual, que se
realiza em 2020 no dia 26 de maio, no Centro de Congressos do Estoril, sob o tema
“Contact Center Portugal: From Important to Indispensable”.
O que é possível fazer para alavancar a credibilidade?
A credibilidade do Setor é um exemplo claro do distanciamento que por vezes ocorre
entre a realidade e a opinião publica.
Os Contact Centers em Portugal continuam a ser alvo de críticas sobre a qualidade das
suas instalações, as fórmulas contratuais a que recorre, a ausência de perspetivas de
carreira, as remunerações que pratica ou o caráter pouco especializado das funções
desempenhadas.
Se alguma vez estas críticas tiveram razão de ser, há mais de duas décadas, hoje
circunstâncias semelhantes não ocorrerão senão em casos muito raros.
Esta Indústria investiu como poucas em instalações modelares, em localizações
privilegiadas, com todas as condições para o confortável desempenho dos seus
colaboradores, desde a luminosidade, a ergonomia, os espaços adequados para
momentos de pausa e para refeições.
Também o mito urbano de “toda a gente com contratos temporários e a ganhar salário
mínimo” não corresponde minimamente à realidade. De acordo com a edição de 2019
do Estudo de Benchmarking da APCC, cerca de 50% dos Colaboradores dos Contact
Centers têm vínculo efetivo às Empresas e apenas 7% têm contratos de trabalho
temporário, o que se justifica facilmente pela natureza localizada no tempo de algumas
tarefas pontuais. E as remunerações brutas mensais médias dos Agentes eram de quase
800€, conforme aquele Estudo.
Finalmente a crítica sobre perspetivas de carreira e funções pouco especializadas não
resiste à evidência de tantos os que, tendo iniciado funções como Agente de um Contact
Center, desempenham hoje as diversas funções da hierarquia funcional das operações,
como Supervisores, Formadores, Responsáveis pela Qualidade, Auditores, ou Diretores
de Operações. Alguns até mesmo como Diretores Gerais e Administradores das
Empresas que iniciaram funções nesta atividade. E quantos não foram selecionados para
acederem a funções dentro da estrutura das Empresas, mesmo fora do Contact Center,
por se reconhecer a sua qualificação e o seu conhecimento ímpar sobre Clientes,
produtos e serviços.
Ciente da importância da difusão da imagem real do Setor, a APCC desenvolve diversas
iniciativas, de que se destacam as duas Conferências anuais e a frequente presença nos
órgãos da comunicação social e junto dos Organismos de tutela.
O setor tem crescido bastante na angariação de centros de atendimento
internacionais. Há potencial para continuar a crescer?
O Nearshore é o segmento de atividade do Contact Centers cujo crescimento foi maior
nos últimos anos.
Beneficiando das vantagens competitivas de Portugal, foi assinalável o crescimento de
operações de nearshoring de Empresas que operam já há anos no País e de Empresas
internacionais que aqui resolveram centrar as suas atividades, muitas vezes num
formato pan-europeu.
As primeiras vantagens competitivas que se destacam são a qualidade dos Recursos
Humanos e a sua apetência para o domínio de idiomas e a qualidade das facilidades
infraestruturais disponíveis, designadamente o generalizado acesso a banda larga.
Mas o sucesso desta atividade depende também da atratividade de Colaboradores de
nacionalidades cujos idiomas seriam mais difíceis de suprir com recursos nacionais. E
aqui avultam todos os fatores de atratividade que são comuns à atividade turística,
como o clima, a boa receção dispensada a estrangeiros, a cultura, a gastronomia e, claro,
a segurança, fator cada vez mais valorizado e em que Portugal se destaca, sendo
considerado o terceiro País mais seguro do Mundo, apenas atrás da Islândia e da Nova
Zelândia.
A capacidade de acolher mais operações e de ver crescer a dimensão das operações
existentes está longe de estar esgotada, não deixando de ser verdade que o crescimento
deste segmento de atividade constitui um fator acrescido de pressão sobre os Contact
Centers nacionais, principalmente nos principais centros urbanos.
Este crescimento de operações resultará também, naturalmente, da continuidade da
procura internacional do nosso País para o efeito. A APCC tem sido com regularidade
solicitada pelo AICEP para colaborar em eventos e reuniões visando a angariação dessas
oportunidades para Portugal.
Já no ano de 2018, de acordo com dados do Banco de Portugal as Empresas prestadoras
de serviços de Contact Centers, exportaram cerca de 369 milhões de euros.
Um dos grandes desafios são os recursos humanos e a grande taxa de rotatividade. O
que está a ser feito para valorizar o profissional de Contact Center?
Como atrás referi, esta Indústria tem na dificuldade de recrutamento e seleção de novos
Colaboradores um dos maiores fatores condicionadores do seu crescimento.
As taxas de desemprego cada vez menores, as competências necessárias para trabalhar
neste Setor e a evidente concorrência entre operações crescendo no mesmo mercado,
transformaram o recrutamento e seleção nos principais centros urbanos numa missão
muito difícil e com custos crescentes, designadamente ao nível salarial. A apetência para
a mudança, procurando as melhores condições oferecidas, causa um aumento muito
sensível da rotatividade.
Por força destas condicionantes foram sendo criados Contact Centers em todos os
Distritos do País e mesmo nas Regiões Autónomas, sendo assinalável a importância
relevante do Emprego em Contact Center em muitos Concelhos, designadamente do
interior.
As Empresas do Setor desenvolvem todos os esforços para conseguir os Recursos
Humanos necessários e a evidenciação das excelentes condições de trabalho, do caráter
qualificado das funções desempenhadas e das oportunidades de carreira são fatores
fundamentais.
A APCC promove, anualmente, a atribuição dos Prémios FORTIUS, iniciativa que visa
destacar a excelência do desempenho de Agentes; Supervisores e Responsáveis de
Contact Center e prestigiar quem desempenha funções nesta Indústria.
Anualmente dinamiza também a Semana Internacional dos Contact Centers, evento que
procura destacar e evidenciar o excelente ambiente de trabalho que se encontra na
esmagadora maior parte das operações.
Ciente do seu papel de apoiar os seus Associados, a APCC celebrou protocolos de
colaboração com entidades formadoras, procurando intervir em dois níveis: Por um
lado, ministrando ações de formação de curta duração, de caráter comportamental,
para aquisição das competências para trabalhar neste Setor, garantindo a
empregabilidade dos formandos aprovados; por outro lado, ministrando ações de
formação de longa duração, procurando tornar recrutáveis, a prazo, pessoas que não
têm, nesta fase, condições mínimas de recrutabilidade.
O desenvolvimento tecnológico já atingiu a maturidade desejada ou ainda se pode
esperar muita inovação a médio prazo? IA e Robotização são os grandes drivers?
Os Contact Centers em Portugal têm o privilégio de dispor de tecnologias ao melhor
nível mundial, desenvolvidas predominantemente por técnicos Portugueses e em
Empresas nacionais ou operando em Portugal.
Expressão da qualidade dessas Empresas são as largas dezenas de países para os quais
exportamos tecnologia específica para o nosso Setor.
Se algo aprendemos nas duas últimas décadas, foi a certeza de que a tecnologia nos vai
sempre surpreender, mesmo quando julgamos que não se pode ir mais além.
Os avanços são constantes e todo os anos, nos mais variados eventos, em Portugal e no
estrangeiro, as nossas Tecnológicas vão provocando sucessivas revoluções nos nossos
processos de trabalho.
Tem sido afirmado que a progressão da Inteligência Artificial e o crescente recurso a
Bots irão dispensar os humanos. No caso particular dos Contact Centers é indesmentível
que um grande número de funções básicas é hoje desempenhado por robots, mas
também é uma realidade óbvia que há cada vez mais pessoas afetas a funções nas
operações, excedendo já as 100.000.
A realidade é que a tecnologia tem vindo a fornecer aos Agentes as ferramentas que
lhes permitem um desempenho cada vez mais eficaz. A IA é hoje um “conselheiro
orientador” do percurso quer do Agente quer do seu interlocutor.
A expectativa da APCC é que a tecnologia nos vai seguramente trazer significativas
novidades nos próximos tempos e que a IA e os robots serão os principais drivers das
novas opções.
Mas numa nota de otimismo: tanto quanto se consegue prever, os humanos
continuarão a ser os recursos fulcrais para o sucesso de um Contact Center.
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