Pedro Miranda, Presidente da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), e a sua visão sobre o mundo dos Contact Centers in Contact Center Magazine
A crise de saúde pública provocada pela pandemia transformou os Contact Centers num elo fortíssimo de comunicação entre empresas e consumidores. Na sua opinião, este reconhecimento existe por parte do mercado e dos próprios colaboradores? Conhecem o propósito do papel que desempenham?
PM: A pandemia trouxe mudanças inesperadas e repentinas, e que ainda decorrem, pelo que nem sempre tem havido o tempo para se observar o que ainda acontece com um olhar mais histórico, no sentido mais científico. Ainda assim, considero que os Contact Centers têm sido inexcedíveis e vitais, como uma parte fundamental na substituição do canal presencial, que praticamente desapareceu.
Em março 2020, em poucos dias praticamente 90% dos Contact Centers foram convertidos ao teletrabalho, muito graças à organização, cultura e tecnologia que bem caracteriza o setor, e não houve descontinuação de serviços. Alem disso, os centros que continuaram a funcionar presencialmente praticamente não registaram casos de contaminação no local de trabalho.
Em caso de aflição, como é o caso da pandemia, mesmo com aumentos brutais de capacidade para responder a aumentos ainda mais que brutais de procura, parece que se está apenas a cumprir a sua obrigação. Veja-se o caso do SNS24, um serviço altamente especializado, critico na área do sistema público de Saúde.
Penso que os portugueses não perceberam ainda que a procura aumentou em mais de 10 vezes face ao pior nível de procura alguma vez registado anteriormente, e a capacidade de atendimento, rapidez de adaptação de tecnologia e procedimentos tiveram de acompanhar essa grandeza.
É impressionante, para dizer o mínimo, mas também reconheço que a natureza de discrição de serviço faz parte do setor, pelo que nem sempre tem tido o devido reconhecimento.
(Os Contact Centers) são autênticas escolas de gestão e que formam pessoas para a vida profissional, nas dimensões universais corporativas de articulação entre pessoas, tecnologia e organização
O que ensinam os Contact Centers ao mundo corporativo?
PM: Bastante e digo sempre que são autênticas escolas de gestão e que formam pessoas para a vida profissional, nas dimensões universais corporativas de articulação entre pessoas, tecnologia e organização, alinhados numa estratégia com objetivos bastante pragmáticos.
Veja-se a exigência ao nível de gestão de pessoas e liderança de equipas, muito alinhadas em objetivos e com uma preocupação de preformar de forma sustentada, num ambiente natural de pressão de entrega de resultados, para os clientes finais, mas também para seus clientes internos.
Os Contact Centers operam nas tecnologias que melhor o mundo oferece, e tem vindo a desenvolver-se de forma impressionante, a par e passo com a transformação digital em que vivemos.
Não é saudável uma empresa manter 100% de teletrabalho porque uma parte da sua riqueza imaterial se vai delapidando
O trabalho remoto, tudo indica que, em muitas empresas, veio para ficar. Quais as maiores dificuldades na adoção deste formato, quer para as empresas, quer para os colaboradores?
PM: No início da pandemia, com a pressão imensa que se verificou, o regime forçado de teletrabalho funcionou relativamente bem. E funcionou bem porque há uma inércia positiva de processos, cultura e tecnologia que continuaram a funcionar à distância, tendo sido adaptados de forma criativa e funcional, com a tecnologia complementar disponível, que assim permitiu.
As reuniões e troca de mensagens em aplicativos gratuitos e eficazes funcionaram para o imediato. No entanto, com o passar do tempo percebe-se que, por um lado, não é saudável uma empresa manter 100% de teletrabalho porque uma parte da sua riqueza imaterial se vai delapidando, nomeadamente a cultura, geração de ideias e as iterações sociais em geral, é feita das relações informações.
Também ajudam a manter a nossa saúde mental. Por outro lado, nem todos têm boas condições de trabalhar em casa, nas suas variadas dimensões como ambiente físico e a conectividade Internet, há ainda uma forte incerteza legislativa sobre as responsabilidades do teletrabalho para ambas as partes, e nem todas as condições de segurança informática estão reunidas para o teletrabalho duradouro. Outra dimensão das dificuldades que o passar do tempo trouxe foi na área de seleção, recrutamento e formação de pessoas, que é ainda difícil ser tão eficaz à distância.
A eficácia da formação é comprometida muito devido à forma excessivamente clássica como ainda se ministram as formações, especialmente as iniciais, que são mais pesadas, naturalmente. É evidente que para as pessoas há coisas boas, e penso que é a maioria, que valoriza a melhor gestão de tempo, a poupança de tempo de qualidade em transportes.
Penso que o modelo que vai evoluir é o híbrido, em modelos que cada empresa vai poder definir para casos concretos, mas que em comum permitem que as pessoas trabalhem a partir de casa alguns dias, por período. Como referi, é difícil aceitar um afastamento físico total de um trabalhador sem que isso não tenha consequências.
Como é que os Contact Centers estão a incorporar a evolução tecnológica? O que fazer para mais tecnologia não ser sinónimo de menos humanização na relação com o cliente?
PM: O setor é um exemplo fantástico de utilização intensiva e avançada de tecnologia. Aliás, a nossa Associação representa empresas que têm Contact Centers, internalizados ou prestação de serviços e, com muito orgulho as melhores empresas de tecnologia do setor, muitas com matriz portuguesa e que desde cedo são referências internacionais.
Do Contact Center exclusivamente telefónico baseado em tecnologia analógica, de um passado não muito distante, hoje a esmagadora maioria dos centros são multicanal e são suportadas em tecnologia IP, com infraestrutura dentro das suas instalações ou na cloud, sendo que estes últimos permitem criar centros com funcionalidades topo de gama e completos, no mesmo dia de adesão.
Do lado dos sistemas de informação de apoio à atividade direta e de suporte, desde cedo que se utilizam as melhores formas de sistematizar e tornar acessível a informação, os melhores conteúdos para formação, para avaliação de qualidade, para reportar informação e performance, para dar feedback às pessoas, apenas par dar alguns exemplos.
Para suportar a atividade de muitos clientes, pessoas, equipas e contactos, só era e é possível com tecnologia.
Agora, dado que o custo das pessoas sempre foi e será, cada vez mais, muito significativo na estrutura de custos dos centros de contactos, especialmente em áreas mais especializadas, a tecnologia tem sido utilizada para substituir, com sucesso, contactos de baixo valor acrescentado ou simples, como é o caso do self-service, seja IVR ou qualquer outro meio de apoio digital, ou ainda a aplicação de RPAs. Mas não há substituição do fator humano à vista, realmente inteligente e cada vez mais competente, apesar da inteligência artificial e automação.
Os consumidores e as pessoas clientes dos Contact Center sabem e utilizam a tecnologia quando é simples, útil, que funciona e que é empática e, não menos importante, que é eficiente. Mas também sabem que nas questões mais difíceis ou aflitivas, não há substituição possível – as pessoas que operam os Contact Centers são importantes, cada vez mais preparadas, qualificadas e com capacidade de resolver os problemas ou situações, o que também é desafiante e nem todas as pessoas pouco qualificadas o poderão fazer.
Onde estão os maiores desafios, nos recursos humanos, no desenvolvimento de competências ou na utilização eficaz da tecnologia?
PM: A resposta é: todos! Como referi, há uma tendência natural de se recorrer às pessoas com mais qualificações para lidar, de forma eficaz, com problemas mais complexos e com competências mais exigentes, como exemplo em Portugal a necessidade de operar em ambiente multilíngue, com acesso a aplicações e sistemas tecnológicos que lhes permitem responder e resolver no primeiro contacto mais problemas.
A liderança de pessoas e equipas tem o expoente máximo num ambiente em que envolve muitas pessoas – e a boa liderança, que é também uma competência no desenvolvimento de carreiras das pessoas, ensina-se e pratica-se. A tecnologia também está em imensas dimensões na vida dos Contact Centers.
Destaco outra, como exemplo, que é a formação. Ainda vejo muitas empresas que medem as formações iniciais em semanas, aplicando sistemas clássicos de aulas presenciais, com apoio de slides “powerpoint”.
A tecnologia multimédia permite que a formação seja muito mais rica e em menos tempo. Apreendemos muito mais em ambiente multimédia, tanto em matéria teórica e com muitas simulações realistas das situações típicas que as pessoas vão enfrentar, complementadas com aulas teóricas e de iteração social, que é sempre rico e essencial para o capital intelectual da empresa.
Como perspetiva a evolução dos Contact Centers? Como é que as empresas estão a preparar-se para dar resposta?
PM: Os Contact Centers vão continuar a desempenhar um papel relevante e eficiente na gestão da empresa com o seu mercado, alimentando de feedback e pressionando a restante organização a ser melhor. Cada vez mais multicanais e multifuncionais, os Contact Centers são tão melhores e mais eficientes quanto melhores forem os produtos e serviços que a empresa serve aos seus clientes finais.
No contexto emergencial da pandemia, a APCC disponibilizou ao Governo Português capacidade imediata, em regime pro bono, para realizar serviços que considerasse relevantes, como triagens, inquéritos epidemiológicos de primeira linha e outros serviços de informação e esclarecimento
Qual é a intervenção da APCC na construção do futuro do setor?
PM: A APCC representa um ecossistema de 91 empresas Associadas, desde prestação de serviços de Contact Center, empresas que têm Contact Centers, empresas de serviços de consultoria e formação especializada e ainda de tecnologia e equipamentos.
Embora não represente os profissionais que operam nos Contact Centers, também tem consciência e preocupação pelas pessoas que representam parte desse ecossistema, e por isso tem ações próprias, mas também em parceria com a APROCS, Associação de profissionais do setor.
Temos, desde sempre, contribuído para a partilha de informação, nacional e internacional, boas práticas e dinamização do setor. Desde há muitos anos temos um selo da qualidade, certificação própria que reconhece um conjunto de processos e boas práticas para operar.
De forma regular, organizamos eventos, que durante a pandemia foram organizados em formato webinar ou evento digital, sobre os temas que mais preocupam o setor, como, por exemplo, a pandemia e os efeitos no setor, o teletrabalho, seja em regime dedicado ou híbrido, e a sua necessidade de o clarificar em termos legais.
A recolha e divulgação do benchmarking anual, para melhor situar cada empresa e setor, e ainda estimulando e premiando os melhores desempenhos e feitos com o reconhecimento de prémios APCC.
Não menos importante, o apoio que damos a empresas que procuram serviços ou se estabelecem em Portugal, de Contact Center, na sua diversidade de serviços.
No contexto emergencial da pandemia, a APCC disponibilizou ao Governo Português capacidade imediata, em regime pro bono, para realizar serviços que considerasse relevantes, como triagens, inquéritos epidemiológicos de primeira linha e outros serviços de informação e esclarecimento, complementado aquilo que é a capacidade do próprio Estado, mas que num ambiente de elevada procura não há natural capacidade disponível. Embora não tenhamos sido mobilizados ainda, ficou registada a nossa disponibilidade, que ouvi que foi bem acolhida e percecionada.
Temos como preocupação para concretizar nos próximos meses, a dinamização de formação disponível para os fundamentais do Contact Center, o acesso mais generalizado a cuidados de saúde privados, como complemento ao setor público e ainda a clarificação de um código de conduta para o setor, dado que, como já referi bastante, é um setor que envolve muitas pessoas e a responsabilidade social, como exemplo, é algo que deve fazer parte das organizações.
E qual é o papel do Pedro Miranda? O que faz de si a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo?
PM: Sou um profissional que desde os tempos iniciais de consultor de gestão lidou com os Contact Centers, BPOs, tecnologia, pessoas e organização, em diversas dimensões. Fui durante 10 anos responsável customer care de uma importante empresa de telecomunicações, estive 5 anos no Brasil numa empresa de grande dimensão mundial na prestação de serviços BPO e tecnologia, e nos últimos anos na SIBS Processos.
Todo este passado, com 25 anos de atividade profissional, dos quais 20 anos diretamente em contacto com o setor, onde continuo a praticar todos os dias, é relevante quando é necessário empaticamente representar mais de 50 mil pessoas envolvidas, a tecnologia do melhor que há no mundo, os serviços especializados e ainda a enorme máquina de exportação de serviços especializados, que eram impensáveis há 10 anos atrás.
Julgo que o setor precisa de continuar o caminho de ter mais visibilidade, reconhecimento e desenvolvimento, cada vez mais profissional das suas práticas de gestão, servindo a nível nacional e, cada vez mais exportando serviços de maior valor acrescentado, que o nosso país bem precisa.
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